SINDICÂNCIA: - SERIA SEPARAR O JOIO DO TRIGO?

 O caso ocorreu quando uma importante rotina de uma das atividades maçônicas, ou seja, uma sindicância foi mal executada.

Sindicância quer dizer: conjunto de ações por meio das quais se colhe e realiza atos de informações, inquirições, análises e investigações para o cumprimento dos dispositivos internos legais, objetivando confirmar tirar conclusões e provar informações prestadas por profanos cujos nomes estão sendo sugeridos para a Instituição Maçônica.

Eis o causo:

A Loja se compunha de apenas 17 irmãos sendo 14 regulares. O Venerável Mestre ressaltava constantemente a necessidade de procurar novos candidatos pois uma loja precisa de “sangue novo” para não envelhecer.

Assim foi feito. Diversos Irmãos apresentaram nomes. Imediatamente me lembrei de um jovem Professor CEO de uma startup, muito preparado. É responsável por organizar e articular os funcionários e os departamentos, sempre atento ao planejamento estratégico da empresa. Sempre que nos encontrávamos não perdia a oportunidade de me cravar com perguntas sobre a Maçonaria, sabendo, pois, que eu era Maçom. Apressei-me e apresentei em Loja, o seu nome. Os Irmãos ficaram contentes pois se tratava de fato, de uma pessoa idônea com 31 anos, casado há três anos pai de um belo menino. Ele protestante e a esposa católica. Sua renda mensal era bastante satisfatória para não privar a família caso viesse a entrar para a Loja.

Dessa forma quando encontrei Ricardo de Tal uns dias depois, ele novamente puxando conversa, como sempre, sobre Maçonaria me disse que seu avô era um Maçom e coincidentemente de uma loja da circunscrição. Achei que era um bom sinal e poderia ser por isto que o neto estaria interessado em pertencer a nossa sociedade. Ele me adiantou que se fosse convidado gostaria que fosse para a minha Loja, visto não conhecer ninguém nas Oficinas da região. Eu assenti e ainda lhe fiz uma pergunta:

- Tens certeza de que desejas adentrar à Instituição sem resquício algum de curiosidade? Ao que me respondeu com firmeza que não, porém fazendo uma colocação:

- Minha esposa é contra a Maçonaria! É muito devota da Igreja Católica e não concorda com, como ela mesmo diz, “essa coisa de Maçonaria”! Mas como não se deve falar que somos Maçons, ninguém de fora saberá do meu ingresso.

- Olhe, você é um homem honesto, trabalhador, prestativo. Já que a esposa não concorda abandone a ideia e prossiga sempre praticando o bem aplicando a ética nas suas ações, mesmo sem ser Maçom. Com essa situação no lar, não podes ingressar em nossa Loja.

- Mas por quê?

- Porque a célula mater da maçonaria é a família, assim como a família é a “célula mater da sociedade” (Rui Barbosa). Com essa atitude o amigo quebraria a paz e a harmonia dentro de vossa casa. Se a sua esposa acha que não deves pertencer à Loja Maçônica será de bom alvitre que abandone a ideia.

Duas semanas após nos reencontramos e ele logo começou a falar dos acontecimentos.

– Não esperava tanta oposição em casa. Minha esposa contou para minha sogra e as duas vieram a mim bastante rancorosas. Se eu entrasse para a Maçonaria ela deixaria a casa e iria para a casa da sua mãe.

- Mas eu não lhe disse que deveria se resignar, devido à posição antagônica de sua esposa?

- É verdade vou tentar esquecer a ideia, me calar sobre o assunto. Logo ela esquecerá e tudo voltará ao normal.

Passado um ano, Ricardo entra para o Rotary Club do Brasil, onde percebe que poderá ser útil à comunidade. A ação também não foi muito bem recebida pela esposa. Mas alguns membros da Igreja faziam parte e talvez por isto Nilza concordou sem criar grandes dificuldades. Todas as quartas-feiras lá ia Ricardo no tradicional almoço Rotariano. Contudo após esse tempo Ricardo já se sentia fatigado, não encontrava prazer nem sentido nos discursos proferidos durante os encontros. Afirmou:

- Estou decidido: Se a Loja me aceitar eu entro na Maçonaria onde tenho certeza me sentirei feliz.

- E a Nilza? Será que já aceita a ideia?

- Ah.... sim! Ela se acostumou com o Rotary e tenho certeza não fará objeções. Ademais eu tenho maior inclinação para a Maçonaria. Durante esse tempo adquiri diversos livros que me deram noção do que vem a ser a Entidade. Justamente aquilo que eu sempre desejei! Aquilo que sempre foi meu pensamento.

Disse-me o título do livro que por sinal eu conhecia. Fora escrito por um profano.

- Pois então, sua palavra me é suficiente. Serei seu apoiador, um padrinho, ou seja, serei o responsável por você perante a Loja e a Ordem. Mas adianto-lhe: Não depende só de mim. A Loja resolverá se poderá ou não ingressar na Instituição Maçônica.

Passei-lhe a proposta, o formulário de iniciação. O candidato, Ricardo de Tal estava, depois do tempo legal devidamente aprovado no escrutínio secreto. Chegou o dia da iniciação. O Ricardo, neófito, passou pelas provas ritualísticas com vigor e recebeu como prêmio o avental branco e mais dois pares de luvas também brancas e ouviu:

- “Um par é para si e o outro será para que você ofereça àquela que mais estimas e que mais direito tiver ao vosso respeito. Isto é para prestar à autarcia da Mulher que, Mãe, Esposa, Irmã ou filha é sempre quem nos traz consolo, conforto e alento nas amarguras, nas atribulações da nossa vida. Informo-vos ainda que simultaneamente a sua entrada para a família Maçônica, sua esposa doravante será considerada nossa cunhada.”

Na sessão seguinte, sua estreia, bem como na segunda, o Irmão Aprendiz não compareceu. – Qual teria sido a causa? E eu, como padrinho fui incumbido pelo Venerável Mestre de fazer contato com Ricardo e indagar o motivo de suas faltas.

Qual a minha surpresa quando ele me confessou seu fracasso em casa.

- Ah, então você estava mentindo quando me afirmou não ter mais dificuldades e Nilza estaria ciente e concordando com seu ingresso na Loja.

- Sim é verdade, peço-lhe desculpas, mas meu desejo de ingressar na Ordem, de pertencer à Maçonaria era e ainda é tão grande que cometi essa falta grave. Ia tudo bem até que ela descobriu em minha mesa, no escritório, o ritual, o avental e as luvas que tinha escondido em uma pasta. Então voltaram as ameaças:

- “Ou você devolve todas, essas coisas do demônio ou eu saio de casa ainda hoje. Vou para minha mãe! Jamais permitiria que você pertencesse a essa sociedade “diabólica”.

- Não deixou nem espaço para contra-argumentar! O que devo fazer agora?

- Bem, em primeiro lugar você me deixou em uma situação muito difícil, constrangedora mesmo perante minha loja. Depois, você como mentiroso é indigno de pertencer a nós. Você foi apenas um curioso com a intenção de conhecer os segredos da Maçonaria. Porém tenho certeza de que não entendeu nada. Nada daquilo que viu. Fique tranquilo que não deu tempo de nada te acontecer. Porém, a tua própria consciência irá te julgar. E o sentimento de tristeza com tudo que fizeste irá demorar a te abandonar.

Deixei-o pensativo e envergonhado no seu escritório particular, onde mantivemos nossa conversa.

A caminho de casa fui refletindo, falando comigo mesmo: - Tenho grande parte de culpa porque acreditei na “conversa” dele. Porém, não querendo de forma alguma me eximir, uma outra parte da culpa se deve aos sindicantes que apresentaram as melhores referências”.

Mas segui meu caminho até em casa e na semana, pesquisando documentos descobri que os sindicantes copiaram um do outro supérfluos detalhes, sem na realidade colher informações fidedignas, seguras, não somente sobre a situação financeira e sua empresa, mas também faltou uma profunda análise sobre as condições familiares, relacionamento, aspectos morais etc., do candidato. Este foi o causo...

Esta experiência, apesar de ter sido nefasta serve para que tomemos como exemplo da responsabilidade que é: 1) apresentar um candidato 2) uma sindicância o mais próximo possível, um espelho quase fidedigno do perfil e da situação do profano, sua família, vizinhos, amigos, chefes e funcionários.

Um parâmetro, um balizador importante é o apoiador ter em mente que o escolhido deve ter a qualidade de uma pessoa que você, apoiador, permitiria adentrar seu lar, conviver com sua família. O título “irmão” tem uma conotação séria, há o compromisso de defender e proteger a todos os Irmãos esparsos pelo mundo, em tudo que puder, for necessário, porém justo. Tendo em mente que o socorrer outro Irmão que esteja em situação difícil, significa que o ocorrido não tenha sido originado por sua própria culpa ou leviandade.

Nas sindicâncias a seleção bem procurada nem sempre é conseguida. Sempre há a possibilidade de nos enganarmos em nossas indicações. Existe uma máxima que não serve para nós: “O que não serve para mim, não serve para o outro”, não é o nosso caso na Maçonaria. O que importa, o que é importante mesmo é a apuração e análise bem-feitas pelos Mestres Sindicantes. Um Mestre para fazer sindicância deve desejar, querer fazer de bom grado deve estar disposto a servir à Loja e obter informações conscientes, completas, exatas, seguras. Se não estiver com vontade, não se sentir apto é preferível, é ético que não aceite. Uma sindicância deve ser isenta totalmente de protecionismo, não apresentar preconceito de forma alguma. Não ter obrigação nem pressão de ninguém para aprovação, ser totalmente equilibrado quanto às questões de raça, credo, homofobia e outras paixões passíveis de prejudicar o indicado. Quando o Venerável Mestre coloca nas mãos de um Mestre a responsabilidade para uma sindicância está colocando todo o prestígio da loja nas mãos daquele Mestre pois o fiel cumprimento da obrigação depende de grande parte o futuro e prosperidade da Oficina. O profano de hoje poderá ser o Venerável Mestre amanhã e porque não um Grão-Mestre, se bem orientado, se bem “trabalhado” nos ensinamentos da arte real

Por fim, a resposta ao nosso título é NÃO. Não existe joio/trigo, não existe bom/ruim, cidadão/cafajeste, assassino... existe sim o ser humano que por pior que seja deve sempre ter a oportunidade de mudar sua vida, sua conduta, a oportunidade de viver, melhorar seu estado hoje, deprimente. Todo ser humano busca sempre fazer o seu melhor e cabe a cada um de nós, principalmente pelo que a ordem nos ensina, fazer também o melhor pelo outro. O homem que entrar para a Maçonaria e que a Maçonaria não entrar na sua mente, no seu coração, com certeza nunca chegará a ser MAÇOM.

        

JORGE LUIZ MALKOMES MUNIZ – M M  CIM 04709 CMSB 

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA GEPAM Nº 3 

dez-2021 - VL 1 - SEMESTRAL


 

 

Comentários

  1. Uma crônica importante para se compreender o que chamarei de universo maçônico.

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